terça-feira, 20 de setembro de 2016

Adeus amor





Dizemos muitas vezes adeus. Dizemos adeus que só demora até ao dia seguinte, ou até ao mês seguinte ou aquele definitivo. Dizemos com a força que carrega, a emoção que transporta e a falta de aconchego que nele vem associado. Adeus. Como quem quer mais ou já se fartou – sei lá, coração breve ou carregado. Dizemos adeus em vez de até já pela dor não ser desse. Vamos dizendo – respirando as despedidas e tomando consciência de que dói ficar ali – ou ir. 

Um amor meu vai embora e devia ser até já, mas não são umas semanas – é mais tempo, é tempo que perdi com ela e que só percebi quando a dor do adeus apareceu. Depois de meses, casa, gatos e uma cama comprada a pensar nos amanhãs. Tantos amanhãs que não aconteceram e tantas manhãs sem abraços. O tempo às vezes traz a certeza do amor – trabalhar os erros, procurar a paz e depois então mergulhar de novo nos planos de para sempre - ingénuo, infantil mas que, foda-se, rasga o peito de felicidade. 

Este é um texto de adeus – como vão existir outros de regressos, de tempo juntas, de vidas pensadas no plural. Este precisou de ficar registado por ser um peso de amar. Amar é tudo isto – gostar tanto que dois meses parecem uma eternidade, é pensar no Natal que chega mas que lhe falta luz. Um Inverno sem chuva, filmes e abraços deste amor. O amor não se divide, também não se divide a dor – vai multiplicando consoante o aproximar do ir. Partir é isto – provisório. Existe ainda a felicidade de quem vem, vivida separadamente, não se equilibram, vão se vivendo em pleno, ambas. Também essa merece ser registada quando se aproximar, por ser bonita. Existe o amor que não vai embora nem vai regressar por simplesmente ficar aqui. Segurança. Abrigo. Viver o Carnaval, o aniversário, fogo-de-artificio e uma tempestade em simultâneo. Guardar lugar para viver cada coisa a seu tempo mesmo quando tudo se junta e nos faz engolir a água de amar. 

O registo do que amamos é relatar todas as coisas boas e todas as coisas más. É questionar a nossa força. É reler quando já não dói e sorrir ou reler quando doer mais e chorar. É assumir fragilidade e saber que essa faz parte do amor. Amar é ter o coração nas mãos – e ter nas mãos o abraço de muito amor. Muitos amores.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Activismo Poliamor e Masculinidade Tóxica

Começo sempre os meus textos a dizer que tudo o que falo sobre poliamor é apenas sobre o meu poliamor. Começo sempre os meus textos a dizer que cada relação tem regras diferentes e que desde que seja consentido, é válido. Hoje não quero dizer isso. Hoje quero dizer que independentemente de ser uma relação poliamorosa ou monogâmica, existem bases que têm obrigatoriamente que existir. Essas bases são coisas básicas para pessoas com conhecimento em abuso, toxicidade e manipulação. Essas bases são o respeito e a liberdade. Estas coisas nem sempre existem e estão descaradamente disfarçadas de poliamor. De sabedoria. De consentimento. De aprendizagem. De tolerância. Isso não é poliamor, é manipulação, é bullying e é agressão. Isso não é amor: é o ego de alguém a vencer todos os dias. 

Um dia despedi-me de alguém também poly a dizer que ia ver um filme. A resposta que recebi foi: *enrosca-se nela a ver o filme*. Numa outra altura teria respondido mal, teria dito que aquilo não era okay mas ali era – supostamente – porque o fascínio pela sabedoria artificial se sobrepõe aos nossos limites. Muitas outras vezes confundi uma invasão enorme do meu espaço e dos meus limites com boas intenções. Achamos sempre que não faz mal, que é seguro, que se a voz é dada todos os dias a alguém é porque a pessoa sabe o que está a dizer. E sabe: mas sabemos nós o que essa voz nos está a fazer?



Muitas das manipulações, abusos e agressões que vivi ou que tomei conhecimento de acontecerem vieram exactamente de dentro do meio activista. Do meio de uma comunidade que grita valores e moral aos sete ventos. Mas os ventos estão todos trocados e as rajadas de masculinidade tóxica não trazem apenas gripes mas dependência e silêncio. E o nosso espaço para falarmos, amarmos livremente, vivermos sem pressões ou pressupostos sociais passa a ser um lugar que o nosso corpo simplesmente ocupa. Caladas. Companheiras. Uma sombra de elitismo, classismo e poderes académicos. Passamos a ser Mulheres por quem alguém luta melhor que nós. Não somos suficientes. Somos lésbicas fetishizadas, as nossas namoradas são adereços para a imaginação perversa de alguém, a nossa assexualidade não é totalmente respeitada e “até temos que fazer sexo”, somos poliamorosas mas não podemos estabelecer relações livremente. Não podemos - mas há quem possa. O poliamor traz choro e conversas de horas - o poliamor não pode trazer manipulação, sentimento de culpa, privar a que sejamos felizes, gritos, faltas de respeito, agressividade, imposição de limites ou falsas boas intenções que depois se transformam em discussões e ataques. 

A minha voz só a mim me pertence mas isso não significa que eu possa falar por cima de alguém. Isso não significa que eu possa controlar alguém. Significa sim que a posso utilizar sempre que sentir necessidade de me defender ou de defender pessoas escondidas em tantas camadas da cebola que é o homem branco – e foda-se, essa é daquelas que faz chorar. Chega de ter homens a ocupar o poliamor e o feminismo como se nós não existíssemos. Chega de ser objectificada por pessoas que têm protagonismo na comunidade. De lidar com situações de conversas forçadas, beijos prometidos ou carinhos que não pedi mas que me acho no dever de agradecer e retribuir. A minha voz grita: estou atenta. Estou aqui. Não me vou calar. Que venham todas as rajadas de masculinidade tóxica, as nossas gerações já se calaram tudo o que havia para calar e agora ninguém me vai deixar ficar rouca. Tenho pulmões para gritar, braços para vencer e um coração enorme que não se deixa manipular. Sou gaja, fufa e poliamorosa – e não preciso que me ensinem sobre ser gaja, sobre fufa nem sobre ser poly.